terça-feira, 8 de outubro de 2013

Coragem...

"Muita coragem me faltou na infância: até para colar durante as
provas eu ficava nervosa. Mentir para pai e mãe, nem pensar.
Ir de bicicleta até ruas muito distantes de casa, não me atrevia.
Travada desse jeito, desconfiava que meu futuro seria bem
diferente do das minhas amigas. Até que cresci e segui medrosa
para andar de helicóptero, escalar vulcões, descer corredeiras
d’água. No entanto, aos poucos fui descobrindo que mais
importante do que ter coragem para aventuras de fim de semana,
era ter coragem para aventuras mais definitivas, como a de
mudar o rumo da minha vida se preciso fosse. Enfrentar
helicópteros, vulcões, corredeiras e tobogãs exige apenas que
tenhamos um bom relacionamento com a adrenalina. Coragem,
mesmo, é preciso para terminar um relacionamento, trocar de
profissão, abandonar um país que não atende nossos anseios,
dizer não para propostas lucrativas porém vampirescas, optar por
um caminho diferente do da boiada, confiar mais na intuição do que
em estatísticas, arriscar-se a decepções para conhecer o que existe
do outro lado da vida convencional. E, principalmente, coragem
para enfrentar a própria solidão e descobrir o quanto ela fortalece
o ser humano. Não subi no barco quando criança – e não gosto de
barcos até hoje. Vi minha família sair em expedição pelo mar e voltei
sozinha pela praia, uma criança ainda, caminhando em meio ao povo,
acreditando que era medrosa. Mas o que parecia medo era a coragem
me dando as boas-vindas, me acompanhando naquele recuo solitário,
quando aprendi que toda escolha requer ousadia."

(Trecho de 'Coragem' - Martha Medeiros no livro "A graça da coisa")

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